domingo, 22 de agosto de 2010

Improvável amor

O endereço era o mesmo que constava na carta, Rua Alfredo de Morais Neto - nº2876, um prédio simples, porém, muito charmoso. Não havia porteiros, nem nenhuma outra pessoa que pudesse me dizer nada sobre quem pudesse ter me endereçado esta carta, eu tinha que ir até o fim sozinho. O prédio, por ser uma construção antiga, não tinha elevadores e eu precisei subir os seis andares de escada. Talvez, de propósito, eu tenha me demorado muito mais do que realmente devia para subir as escadas escuras e vazias do Ed. Alfaiate L’amour.

Eu tinha o endereço e uma chave, à minha frente, a porta, do outro lado, o desconhecido. Toquei a campainha do apartamento 603 ignorando a chave que continha em minha mão. Esperava mais do que qualquer outra coisa que uma pessoa pudesse atender, assim eu descobriria o porquê de receber uma chave pelo correio de um remetente misterioso. Insisti com a campainha, mesmo já tendo tocado cinco vezes. Eu precisava ter motivos para simplesmente tentar abrir aquela porta, mas o silêncio foi minha única resposta. Por que eu estava me enganando? Eu tinha que entrar, era isso que a pessoa queria que eu fizesse quando me enviou a chave. No entanto eu estava protelando aquilo mais do que devia. O medo era maior que minha curiosidade.

A chave certa não causou transtorno quando a coragem surgiu em meio à enorme dose de adrenalina pela com fui tomado. E foi enfrentando todos os meus receios que entrei.

A sala dava impressão de um lugar vazio, e ainda que houvesse os móveis, faltavam sinais de vida para preencher aquele lugar. Fiquei parado à porta por alguns minutos observando atentamente aquele lugar a procura de algo que pudesse me responder o porquê de eu ter sido levado para aquela sala. Uma outra carta foi o que me moveu para dentro daquele sombrio apartamento. Esta também estava endereçada a mim, e mais uma vez não havia o nome do remetente.

Peguei a carta em cima da mesa, e me direcionei a janela, olhei mais uma vez para o modo como a carta havia sido endereçada e a abri.

“Ao meu doce Miguel”.


Eu sei que parece estranho receber uma chave em casa e não saber que a enviou, mas precisava ser assim Miguel, talvez se eu tivesse ido a você, tentado explicar tudo, jamais eu teria sido recebido. Passei anos da minha vida pensando como conseguiria seu perdão, e nesse tempo todo que eu perdi, eu simplesmente esqueci que precisava me explicar, mas já é tarde, já não há mais tempo para explicações. Por isso resolvi que não partiria sem que deixasse para você um motivo para tê-lo abandonado.


Sei que éramos novos, que havia lhe feito enfrentar a todos para ficarmos juntos, que por conta disse você foi obrigado a deixar sua família em Sorocaba e vir para cá, perdido em meio a uma “cidade de arranha céus”. E, dias depois de tua vinda, eu parti.


Mas foi por amor, por amor que deixei. Eu sei que parece clichê, mas é a mais pura verdade. Eu não podia te fazer sofrer, e se ficássemos juntos seria inevitável não fazer. Por isso partir sem que antes pudesse dizer adeus.


Um dia depois que você chegou a São Paulo, sua mãe me ligou, e me contou por que realmente era contra a nossa relação. E por mais que fosse cruel te deixar, os motivos dela eram os mais concretos do mundo, e não havia como ficar diante dele.


Mas te amei até o meu último dia de vida. Sim meu doce Miguel, eu estou morto, pedi que a enfermeira enviasse a carta com a chave no dia em que eu viesse ao óbito, pois não queria te ver uma outra vez, te desejar novamente, e não poder te ter para mim uma única vez sequer.


Não lamente por minha morte, pois eu não chorei até hoje por estar indo. A coisa que lamento por estar morrendo é de não poder continuar a fumar, pois câncer me tirou este direito a algum tempo.


Quero que fique com meu apartamento, e outros bens que deixei, meu advogado irá te procurar em algumas semanas.


Peço apenas que me perdoe por ter partido sem me despedir, e que entenda que apenas não quis causar um mal maior. Amei-te até o meu último dia.


Do seu irmão,


Pedro.

As lágrimas escorriam pelo meu rosto sem que eu pudesse dar conta de senti-las, a essa altura eu estava sentado no chão. Afinal Pedro não havia me abandonado para fugir com outro homem como eu sempre pensei. A felicidade de não precisar odiá-lo se misturava a enorme confusão e sofrimento de saber que ele era meu irmão e, para dor maior, ele havia morrido.

Chorei por horas e quando dei por mim, o dia amanhecia naquele lugar que agora era meu. Andei pelo apartamento, até que encontrei o quarto que parecia ser o de Pedro, e lá para minha surpresa havia mais uma carta, e nesta estava escrito “A meu irmão”.

Miguel,


Não chores... É tudo novo agora e sei que se que agora posso descansar em paz é porque tenho seu perdão. Siga sua vida, não gaste tempo sofrendo com o que já passou, pois precisamos sempre recomeçar.


Fui feliz por te ter como irmão.


Pedro.


Ps. O amanhã é feito de escolhas que não olham para o ontem.

O choro cessou quando terminei de ler a segunda carta. Voltei para casa com um alívio enorme de saber que amei por muitos anos um irmão a quem sempre me amou.

3 comentários:

  1. Oi...valeu esperar por um texto tão bem elaborado como este....

    Parabéns Leonardo!!!

    Vc escreve com muita segurança... fiquei presa no texto...e não conseguia nem de longe imaginar um final...muito bom...

    bjos!!!!

    Zil

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  2. Tenho que comentar que... que dispenso comentários pra vc!
    D+!
    Qria aproveitar que estou aqui e te convidar pra minha peça ~> http://vai.la/XQn
    Gostaria mto que fosse!
    Antecipado 10,00 e na hora 20,00
    Beijos

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  3. Oi Leonardo...

    Espero que um dia vc tenha um tempinho...e dê uma passadinha no meu cantinho....será muito bem vindo!!!!

    E outro post...só daqui há 3 meses?rsrsrs....

    bjo!

    Zil

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