sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Acreditar

Ainda é possível sentir o vento soprar no meu rosto – Foi o que disse Amélia pouco antes de entrar na sala de quimioterapia.

Foi em meio a um protesto no inicio da década de 80 que conheci Amélia, ela era recém formada em literatura e começa a lecionar em uma escola para moças no largo da carioca, e reivindicava por melhores salários para professores.

Eu estava ali para ajudar conter a multidão que tentava entrar no Palácio Guanabara para fazer suas cobranças junto ao então Governador da cidade, Antônio de Pádua Chagas Freitas. E foi assim que nossa história se entrelaçou, um cabo da polícia militar do estado do Rio de Janeiro e uma recém formada professora de literatura que se casaram 5 meses após se conhecerem, quando ela havia sido presa por ele logo após atirar uma pedra no carro de um assessor do governador que adentrava as dependências da sede do governo. Desde então criou-se uma enorme cumplicidade entre eu e Amélia.


Nossa primeira filha nasceu 6 meses depois de termos casado, a chamamos de Mafalda, em homenagem a avó de Amélia que estava com uma idade muito avançada. Só depois de 7 anos do nascimento de Mafalda é que resolvemos ter um novo filho, foi quando nasceu a Júlia.

A vida ao lado de Amélia sempre foi muito tranquila, nossa união nunca foi abalada por nenhuma intempérie da vida, jamais deixamos de nos olhar com o mesmo amor do inicio de nossa relação e mesmo agora que ela está com está doença, estamos ainda mais unidos;

Foi fazendo o exame de toque que Amélia descobriu que tinha um nódulo no seio direito, de inicio ela reagiu muito mal, achou que fosse perder a mama, e cogitou por várias vezes não lutar contra essa doença. Eu e Júlia tentamos de tudo para faze-la sair da depressão que caiu sobre ela, mas foi só quando Mafalda veio nos visitar nas férias de verão que Amélia finalmente resolveu se tratar. A retirada do nódulo foi um sucesso, o mama foi completamente preservada, o que foi muito favorável no período pós cirurgia, pois não alterou em nada o corpo de Amélia, e apesar dos tratamentos de quimioterapia e radioterapia que ela ainda precisaria fazer, sua auto estima não foi a zero como pensava assim que soube da doença.

Durante todo o período de tratamento ela jamais pareceu ficar triste, nunca estava desanimada e ao contrário do que quase todas as pessoas que tem esse tipo de mal, ela jamais cogitou a hipótese de perder para o câncer. Todo o lento processo de quimioterapia acabou sem que tivesse deixado marcas, Amélia se divertia em usar diferentes tipos de lenços e turbantes na cabeça. E fazia com que todos em sua volta ficassem menos preocupados com seu estado de saúde. Mas era visível que ela estava frágil, seu corpo já não impunha mais a vitalidade que sobrara da juventude, as marcas da idades tornaram-se mais acentuadas, mais ela continuava linda como jamais deixaria de ser, nunca poderia olhar para minha eterna amada e vê-la de outra forma que não fosse a bela que conheci e me apaixonei.

Os médicos dizem que o estado dela é bom, e que a radioterapia esta sendo usada como forma de eliminar as células que podem ter sido afetadas, não sei bem ao certo, nunca fui bom com procedimentos médicos. O tratamento de radioterapia irá termina no próximo mês, e assim que ela estiver livre de tudo isso irei realizar um velho sonho nosso, a levarei para saltar de para quedas, apesar das muitas recriminações de minhas filhas.

Espero ainda ter tempo, e poder junto a ela viver emoções que nos faltaram, e tantas outras coisas que sempre imaginei passarmos juntos, nossos netos, bisnetos, uma enorme família reunida junta a mesa nos domingos. Não posso viver sem ela.

(Acreditar – Leonardo Kifer)

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