quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Amando Leila...

No inicio eram pequenos esquecimentos, datas, comemorativas, as chaves do carro que nunca lembrava aonde estavam. Mas depois as coisas foram se agravando, ela se esquecia de ter colocado o assado no forno, de fazer os pagamentos das contas do mês. Até que começou a esquecer de mim.

Leila estava com problemas. Eu sabia desde o inicio que esses esquecimentos não eram de cansaço como ela afirmara muitas vezes, mas ela se recusava a procurar uma ajuda médica, dizia estar bem.

As coisas ficaram sérias no dia em que Leila saíra de casa cedo para ir ao trabalho, e simplesmente desapareceu. Há encontramos três dias depois em um abrigo da prefeitura, completamente irreconhecível, vestia roupas largas e rasgadas, seus cabelos estavam desgrenhados. Nada lembrava a mulher elegante e impecavelmente bem vestida que ela era.

Leila não sabia seu nome, e também não sabia quem eu era, seus olhos refletiam medo, ela havia se tornado uma mulher sem lembranças.

Todo o caminho de volta para casa foi conduzido pelo silêncio, que raramente era interrompido por um inicio de pergunta que nunca se completava. Talvez ela quisesse perguntar para onde eu a estava levando, ou até mesmo quem eu era... Ao que parece jamais saberei qual seria a pergunta, a mulher agora sem passado, não demonstra confiança em ninguém.

Leila dormiu como uma criança desprovida de preocupações, eu não pude evitar ficar velando seu sono, e tentar buscar explicações para o porquê de tudo isso em nossas vidas.

Mal de Alzheimer, foi o que a médica diagnosticou. Uma doença degenerativa, segundo a Doutora. Uma forma comum para demência.

O chão pareceu se esfarelar por entre os dedos dos meus pés, todo o restante do mundo pareceu tão insignificante diante da doença de Leila... Eu me senti extremamente fraco e incapaz ao saber que nada poderia fazer para trazê-la de volta.

Em casa, fiquei olhando por horas para aquela mulher que por anos compartilhou sua vida junta a minha, traçando planos e sonhos.

Eu a amo. Amei por todo o tempo em que ficamos juntos, e agora me dói não saber como agir com essa nova mulher que veio assumir o vazio que Leila deixou quando desapareceu, preencher um espaço que nunca deveria ter ficado em branco.

Os dias foram passando, não havia mais Leila, somente ficou um rascunho da mulher que ela foi...

Eu aos poucos conquistava um olhar vazio, tudo era incompleto quando se tratava do que fazer com ela. Foi quando tomei uma decisão.

Resolvi deixar Leila em uma clínica, internada como uma doente mental, como alguém incapaz de cuidar de si.

Mas deixá-la foi bem mais complicado do que imaginei que fosse, me fez perceber que tudo havia acabado, era o fim de um casamento. O fim de uma história de amor interrompida pela inexplicável escolha da vida em condenar uma mulher sadia em um espectro de ser humano, sem condição de viver só.

Viver sem Leila me pareceu tão sufocante quanto vê-la em seu estado insano, por conta de sua doença que lhe tira as lembranças e lhe roubara sua identidade.

Hoje, meses depois de deixá-la, sinto que nunca a deixei de verdade. Visito-a todos os dias. E falo sozinho todas as vezes que ela se recusa a me receber.

Ainda não consegui apagar de mim o amor que a doença lhe tirou... Apenas a amo, ainda que só.

(Leila – Leonardo Kifer)

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