terça-feira, 13 de maio de 2008

O Telefone preto




Quando eu era criança, bem novinho, meu pai comprou o primeiro telefone da nossa vizinhança. Eu ainda me lembro daquele aparelho preto e brilhante que ficava na cômoda da sala. Eu era muito pequeno para alcançar o telefone, mas ficava ouvindo fascinado enquanto minha mãe falava com alguém.
Então, um dia eu descobri que dentro daquele objeto maravilhoso morava uma pessoa legal. O nome dela era “Uma informação, por favor,” e não havia nada que ela não soubesse.
“Uma informação, por favor,” poderia fornecer qualquer numero de telefone e até a hora certa.
Minha primeira experiência pessoal com esse gênio da garrafa veio num dia em que minha mãe estava fora, na casa de um vizinho.
Eu estava na garagem mexendo na caixa de ferramentas quando bati meu dedo com um martelo. A dor era terrível, mas não havia motivo para chorar, uma vez que não tinha ninguém em casa para me oferecer sua simpatia.
Eu andava pela casa, chupando o dedo dolorido até que pensei:
O telefone! Rapidamente fui até o porão, peguei uma pequena escada que coloquei em frente à cômoda da sala. Subi na escada, tirei o fone do gancho e segurei contra o ouvido.
Alguém atendeu e eu disse: “Uma informação, por favor.”.
“Eu machuquei o meu dedo...”, disse, e as lágrimas vieram facilmente, agora que eu tinha audiência. “A sua mãe não esta em casa?”, ela perguntou.
“Não tem ninguém aqui...”, eu soluçava. “Esta sangrando?”. “Não”, respondi.
“Eu machuquei o dedo com o martelo, mas ta doendo...”.
“Você consegue abrir o congelador?”, ela perguntou. Eu respondi que sim.
“Então pegue um cubo de gelo e passe no seu dedo”, disse a voz. Depois daquele dia, eu ligava para “Uma informação, por favor” por qualquer motivo.
Ela me ajudou com as minhas dúvidas de geografia e me ensinou onde ficava a Philadelphia. Ela me ajudou com meus exercícios de matemática. Ela me ensinou que o pequeno esquilo que eu trouxe do bosque deveria comer nozes e frutinhas.
Então, um dia, Petey, meu canário, morreu. Eu liguei para “Uma informação, por favor” e contei o ocorrido. Ela me escutou e começou a falar àquelas coisas que se diz para uma criança que esta crescendo. Mas eu estava inconsolável. Eu perguntava:
“Porque é que os passarinhos cantam tão lindamente e trazem tanta alegria pra gente, no fim, acabar como um monte de penas no fundo de uma gaiola?” Ela deve ter compreendido a minha preocupação, porque acrescentou mansamente: “Paul, sempre lembre que existe outros mundos onde a gente pode cantar também...”.
De alguma maneira depois disso, eu me senti melhor. No outro dia, lá estava eu de novo.
“Informações.”, disse a voz já tão familiar. “Você sabe como se escreve exceção?”
Tudo isso aconteceu em minha cidade natal ao norte do pacífico.
Quando eu tinha 9 anos, nós nos mudamos para Boston. Eu sentia muita falta da minha amiga.
“Uma informação, por favor” pertencia aquele velho aparelho telefônico preto e eu não sentia nenhuma atração pelo nosso novo aparelho telefônico branquinho que ficava na nova cômoda na nova sala. Conforme eu crescia, as lembranças daquelas conversas infantis nunca saiam da minha memória.
Freqüentemente, em momentos de dúvida ou perplexidade, eu tentava recuperar o sentimento calmo de segurança que eu tinha naquele tempo. Hoje eu entendo como ela era paciente, compreensiva e gentil ao perder tempo atendendo as ligações de um molequinho.
Alguns anos depois, quando eu estava indo pra faculdade, meu avião teve uma escala em Seattle. Eu teria mais ou menos meia hora entre os dois vôos. Falei ao telefone com minha irmã. Que morava lá, por 15 minutos.
Então, sem nem mesmo sentir que estava fazendo isso, disquei o número da operadora daquela minha cidade natal e pedi “Uma informação, por favor.” Como um milagre, eu ouvi a mesma voz doce e clara que conhecia tão bem, dizendo: “Informações”.
Eu não tinha planejado isso, mas me peguei perguntando: “Você sabe como se escreve exceção?”.
Houve uma longa pausa. Então, veio uma resposta suave: “Eu acho que o seu dedo já melhorou Paul”. Eu ri. “Então é você mesma!” Eu disse. “Você não imagina como era importante para mim naquele tempo”.
“Eu imagino”, ela disse. “E você não sabe o quanto significavam para mim aquelas ligações. Eu não tenho filhos e ficava esperando todos os dias que você ligasse”.
Eu contei para ela o quanto pensei nela todos esses anos e perguntei se poderia visitá-la quando fosse encontrar minha irmã. “É claro!”, ela respondeu. “Venha até aqui e chame por Sally”.
Três meses depois fui a Seattle visitar minha irmã.
Quando liguei, uma voz diferente respondeu: “Informações”. Eu pedi para chamar a Sally.
“Você é amigo dela?”, a voz perguntou.
“Sou, um velho amigo. Meu nome é Paul”.
“Eu sinto muito, mas a Sally estava trabalhando aqui apenas meio período porque estava doente. Infelizmente ela morreu há cinco semanas”.
Antes que eu podesse desligar, a voz perguntou: “Espere um pouco. Você disse que seu nome é Paul?”.
“Sim”.
“A Sally deixou uma mensagem para você. Ela escreveu e pediu para eu guardar caso você ligasse. Eu vou ler para você”.
A mensagem dizia: “Diga a ele que eu ainda acredito que existem outros mundos onde a gente pode cantar também. Ele vai entender”.
Eu agradeci e desliguei. Eu entendi...

Que a gente nunca deve substimar a "marca" que deixamos nas pessoas.

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