terça-feira, 2 de março de 2010

Para Sempre... Julia

Eram cinco e quinze da manhã quando o telefone começou a tocar, eu tentei ignorá-lo achando que a pessoa que estivesse do outro lado da linha pudesse desistir e voltar a ligar mais tarde, mas me enganei, e acabei cedendo à insistência dos toques.

- Alô!

Do outro lado da linha uma voz fria e fúnebre:

- Por gentileza o Sr. Tiago.

É ele – Eu disse, e a voz calou-se como se ensaiasse sua próxima fala.

Por um minuto eu achei que fosse alguma brincadeira sem graça, mas pelo apanhado das horas não me dei à chance de perguntar, esperei até que o homem do outro lado começasse a dizer o porquê daquela ligação. E depois da enorme pausa, ele retomou a fala, quebrando o gélido silêncio que se fez depois do demorado espaço de tempo.

- Estou ligando a respeito da senhorita Julia Bragança, o senhor a conhece?

- Claro que sim, é minha noiva, o que tem ela?

- Lamento informá-lo senhor, mas a senhorita Julia foi encontrada morta. Peço que o senhor compareça ao IML para reconhecer seu corpo.

Eu não lembro se foi ele quem desligou ou se fui eu, recordo-me apenas de ter ficado quase meio hora parado no mesmo lugar, segurando o telefone na expectativa de que o homem do outro lado revelasse que tudo aquilo era realmente um brincadeira de mau gosto, e não a dura e cruel realidade que estava me sufocando naquele instante.

Eu não fui ao Instituto Médico Legal como o homem pediu. Sentindo-me incapaz de mover qualquer músculo do meu corpo, liguei para meu irmão e pedi que ele fosse em meu lugar. E nas mais de duas horas que levou o telefonema para o meu irmão a vinda dele em meu apartamento, eu apenas me mantive deitado no sofá, sem nenhum outro pensamento que não fosse o sorriso de Julia. Mas a chegada de Flávio tinha o a expressão clara da morte, e eu olhando para ele naquele jeito, não suportei mais conter as lágrimas, e desabei.

Chorei como chora um apaixonado que perde para sempre o amor de sua vida. E no instante em que o choro tornou-se parte de mim, a vontade de reencontrar a mulher com que iria me casar em alguns meses aqueceu-me por completo, mas meu irmão me impediu de ir vê-la, e disse que precisava contar algumas coisas antes que eu tomasse qualquer tipo de decisão.

E foi ainda no rompante de emoções desencontradas que fiquei sabendo o que até então eu não havia me perguntado: como ela havia sido morta? E a resposta para a pergunta que me faltara foi imediata e sem muitos cuidados fui informado de que seu corpo fora encontrado em um quarto de motel e que a polícia suspeitava que ela tivesse sofrido uma overdose devido a alta quantidade de drogas encontrada no local.

Por um segundo, apenas um único segundo, eu acreditei no que meu irmão estava me contando, mas quando a lembrança de Julia surgiu, eu me livrei das mãos do Flávio que ainda me prendiam, e com total convicção de algo estava errado, eu fui contra tudo aquilo, e apesar de todas as provas aparentes, nada no mundo iria me fazer acreditar que a mulher que namorei por seis anos fosse uma adúltera, e ainda por cima que usasse drogas, algo que ela abominava.

Era impossível acreditar em tal situação, algum motivo tinha que existir para que Julia tivesse ido aquele lugar. Ela havia estado comigo até um pouco mais que onze da noite, e saiu daqui de casa dizendo que ia para casa terminar um projeto para apresentar na reunião do dia seguinte, e estava toda contente que havia sido indicada ao cargo de diretora de marketing.

Ela era muito correta, prezava tanto os valores morais que é completamente impossível aceitar a hipótese de que ela tenha ido para lá por vontade própria.

E contra vontade do meu irmão, fui até a delegacia que estava responsável pelo caso, e ao me identificar fui levado direto a sala da delegada, que me fez uma série de perguntas, quase todas elas com o mesmo teor: Onde eu estava na hora do crime?

Quanto às perguntas feitas pela delegada responsável pelo caso eu não precisava me esquivar, não tinha o que esconder, minha inocência era tão obvia quanto o fato de que Julia não era infiel. Meu irmão me achava louco por acreditar na fidelidade de uma mulher encontrada morta em um quarto de motel, mas eu não desconfiaria de Julia, logo agora que ela se foi. Ao longo de todos os anos em que ficamos juntos, ela jamais me deu motivos para sentir ciúmes, nunca me questionou sobre qualquer outra mulher, ao contrário, dizia sempre que a confiança era à base de nosso relacionamento, e que enquanto nos mantivéssemos leais um ao outro, nada poderia nos separar.

O enterro de Julia foi marcado pela tristeza de todos os presente, Dona Laura sua mãe não soltou minha mão em nenhum momento, e em todas as oportunidades que teve, pediu que eu nunca odiasse sua filha, e por várias vezes frisou não acreditar em tudo aquilo. Seu Jaime, o pai, estava desolado, e acompanhou todo o sepultamento a distância. Não havia uma única pessoa que não estivesse sofrendo, todos choravam inconformados.

A fim de saber maiores informações sobre o andamento das investigações, fui até a delegacia, não iria ficar de braços cruzados sofrendo em casa enquanto não desvendassem todo esse mistério... Lá fui recebido pela Delegada Maristela, que me levou até sua sala e começou a conversar comigo, sem muitas voltas ela disse ter obtido as fitas internas do sistema de segurança do motel, mas que não havia identificado o homem que entrou com Julia no local do crime e que saiu de lá quinze minutos após darem entrada no quarto, deixando-a morta. Mas para meu total desespero, eu identifiquei o homem no exato momento em que o vi, a imagem da fita era de uma péssima qualidade, não dava para ver com exatidão o rosto dele, mais é impossível não reconhecer alguém que você viu crescer, dar os primeiros passos, a primeira palavra a ser dita... Como não reconhecer alguém que você conhece deste seu primeiro momento de vida? Como não reconhecer seu irmão?

Quando a Doutora Maristela perguntou se eu o conhecia, meu extinto foi mentir. Saí da delegacia direto para casa do meu irmão, e dirigi como se não houvesse nenhum outro carro na pista além do meu.

- Por quê? – Foi a primeira coisa que perguntei quando o vi;

E a julgar por seus olhos, ele sabia exatamente o motivo da minha pergunta.

- Por que eu a amava – Disse ele, as lágrimas.

- E por que nunca me contou?

- Você nunca entenderia.

- Antes que eu ligue para a polícia, eu quero saber de você toda a história, tudo o que aconteceu. Não me esconda nada.

- Mas eu...

- Fala!

E começou a falar, contou-me que a drogou na noite anterior sem que ela percebesse, quando a ofereceu carona na saída lá de casa, oferecendo-lhe um comprimido como se fosse uma destas balas tipo chiclete e que assim que ela perdeu seus sentidos ele a levou para o motel. Lá resolveu dopá-la um pouco mais, mas ela teve uma reação inesperada e com medo ele fugiu sem prestar nenhum tipo de socorro.

Quando ele acabou de contar, a dor que percorria meu corpo era dilacerante, voltei para a polícia devastado por ter que denunciar meu próprio irmão... Contei toda a história para a delegada.

Flávio se entregou um pouco depois de eu deixar a delegacia e foi condenado a 35 anos de prisão. Eu o visito quase sempre, nunca trocamos mais que duas ou três palavras.

Meu amor por Julia ainda continua vivo, mesmo já tendo passado dois anos. E eu estou tentando continuar a vida... Tentando viver uma nova história, uma que seja tão bonita quanto a que vivi... Caminhando sem Julia vou em busca de um novo amor... Sem nunca deixar de amá-la.

(Para Sempre - Leonardo Kifer)

Um comentário: